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Colunistas: Tom Coelho

Moço, leva eu...

'As lágrimas dos velhos são tão terríveis como as das crianças são naturais.'

(Honoré de Balzac) Desde que comecei a ministrar aulas em MBA busquei uma forma diferenciada de avaliação. E a alternativa às tradicionais provas formadas por testes e questões discursivas foi a realização de um trabalho coletivo, através do qual fosse possível exercitar competências como iniciativa, comprometimento, determinação, criatividade, resiliência e liderança.

Tão logo inicio um curso, realizo uma breve pesquisa junto aos matriculados a fim de melhor conhecê-los, moldando e ajustando o conteúdo da disciplina. E recorrentemente tenho observado que a prática de ações de caráter social é rara, muito embora esteja entre os planos da maioria dos estudantes.

Assim surgiu a idéia de transformar a atividade em grupo numa grande ação comunitária. Uma forma de aplicar conhecimento e gerar integração entre os próprios alunos – e da academia com a sociedade. Dentro deste contexto, as tarefas consistiam em selecionar instituições assistenciais carentes, visitá-las, identificar suas necessidades, arrecadar doações e organizar um evento para entrega dos produtos coletados.

A última turma para a qual tive a oportunidade de lecionar fez uma escolha diversificada, atendendo a um grupo de gestantes, uma casa para crianças com câncer e um lar para idosos. E, em que pese a emoção inerente a cada um destes ambientes, foi no evento destinado aos idosos que pude vivenciar uma experiência marcante.

As atividades naquele dia encerraram-se após a realização de um animado bingo. Quando nos despedíamos dos velhinhos, uma das senhoras, assentada em sua cadeira de rodas, disse-me com voz cansada:

– Moço, leva eu...

A frase foi repetida um par de vezes. Até hoje me pergunto o que de fato ela pretendia dizer. Poderia significar o desejo de partida, a procura de um novo lar, a busca pelo reencontro do passado. Poderia simbolizar a exaustão ou até insignificância de sua relação junto ao companheiro atual, o distanciamento daquele ambiente já não mais tão acolhedor, o desejo de alargar suas fronteiras. Poderia ser tudo isso, um sussurro como grito mais alto de socorro, lágrima seca que não vê ou percebe. Ou poderia ser nada, apenas uma frase de efeito, repetida como de costume a visitantes inesperados.

Ao redigir este texto, coloquei-me a questionar como reproduzir em poucas linhas a intensidade daquele momento e a amplitude de minha inquietação. Escrever, por vezes, é missão árdua, porque as palavras podem parecer frias ou cálidas, tudo por conta de um verbo sem o movimento adequado, um adjetivo sem a plasticidade esperada, um advérbio sem a circunstância prevista.

Assim, pensei em reproduzir a frase finalizada por um ponto de interrogação. Mas aquela senhora nada me inquiriu. Passei ao ponto de exclamação. Porém, lembrei-me de que ela não fora imperativa. Então, fiquei com as reticências, estes três pontinhos que parecem suplicar pela manutenção do pensamento, como que nos convidando a refletir, sonhar, duvidar, nunca concluir.

Aquela frase continua latente em minha memória, trazendo-me não apenas a recordação daquele instante, mas o alerta para digressões maiores sobre onde estou e para onde vou. Ou para onde me levo ou deixo conduzir. Com reticências...

Começou como um mero trabalho acadêmico. Tornou-se, para alguns, uma missão de vida. E em uma visita a um lar de idosos, um pedido, uma inquietação. E muitas reflexões...

Contato através do e-mail: tomcoelho@tomcoelho.com.br
Site: www.tomcoelho.com.br

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