Muito se tem ouvido e falado acerca das caixas pretas dos aviões, principalmente após o enorme acidente no aeroporto de Congonhas há um ano.
O que é uma caixa preta?
Segundo a WIKIPÉDIA - a enciclopédia livre -: “A caixa-preta ou caixa-negra é nome popular de um sistema de registro de voz e dados existente nos aviões (e mais recentemente nas locomotivas dos Estados Unidos da América e Europa). O som ambiente das cabinas de comando e do sistema de áudio é gravado pelo "Gravador de Voz", ou CVR (de Cockpit Voice Recorder), e os dados de performance como velocidade, aceleração, altitude e ajustes de potência, entre tantos outros, é gravado em outro equipamento conhecido como "Gravador de Dados", ou FDR (de Flight Data Recorder). São, portanto, dois equipamentos distintos e independentes, mas ambos com uma inscrição eletrônica de tempo, que é fundamental para colimar ou superpor os eventos de voz com os eventos de performance.
São colocadas, normalmente, na cauda do avião e feitas de materiais muito resistentes, como aço inoxidável e titânio, capazes de suportar uma aceleração de 33 km/s², um impacto de 3.400G (1G= força de gravidade da Terra), temperaturas de até 1.100º C por uma hora, e pressão aquática em profundidades de até 6.000 m. Com isso, são capazes de permitir que em caso de acidente consigam se recuperar os registros e investigar as causas do acidente.
Mas, existe outra definição de caixa preta. O Dr. Michael Behe, no seu livro “A Caixa Preta de Darwin”, define a caixa preta como um dispositivo que exerce alguma função, mas cujo funcionamento interno é, de certa forma, misterioso (ou porque seu funcionamento não pode ser visto, ou porque não é compreensível).
Para o autor, um exemplo de caixa preta seria um computador. E continua: “(...) A maioria de nós o utiliza sem nenhuma idéia de como ele funciona ao processar palavras, gráficos ou imagens. Mesmo ao tirarmos a tampa do gabinete, dificilmente poderíamos encontrar alguma ordem nas peças que ali se encontram. Não há uma conexão simples entre as partes de um computador e as coisas que ele faz”.
E a contabilidade, será uma “caixa preta”?
Para muitos empresários, “(...) a contabilidade é como o computador, não tenho idéia nenhuma de como funciona, mas é necessária. E os seus resultados... Todos os meses, eu encaminho para meu contador a papelada da empresa (notas fiscais, faturas, recibos, boletos bancários pagos, o extrato bancário, etc.) e a saída são os holerites, DARFs e GPSs da vida (não sempre do jeito que eu pretendia)...”.
Mas esses “holerites, DARFs e GPSs” são somente uma parte, a mais conhecida e menos popular, das informações produzidas pela contabilidade. Também estão os relatórios contábeis que ajudam ao empresário a conhecer a marcha dos negócios e tomar decisões baseadas nestes relatórios.
Desvendando os relatórios (demonstrações contábeis) produzidos pela contabilidade.
Não é o objetivo deste artigo “abrir a caixa preta da contabilidade”. O empresário deve de ficar atento na hora de contratar “o contador” ou “o escritório de contabilidade”, de contratar profissionais idôneos (graduados universitários e inscritos no CRC). Se o empresário segue esses requisitos, não precisa se preocupar de abrir a “caixa preta”. Isso não significa que deva ficar de olhos fechados.
Mas meu interesse é de falar acerca das demonstrações contábeis tradicionais. Neste caso, mesmo com a ajuda de um profissional, o empresário deve abrir a “caixa preta” e interpretar essas informações.
BALANCETE DE VERIFICAÇÃO:
É um listado de todas as contas contábeis da empresa e de seus saldos a uma determinada data.
O balancete de verificação foi muito necessário antes da utilização do computador para realizar os lançamentos contábeis e para calcular os saldos de cada conta do balanço. Baseado no principio da partida dobrada (na contabilidade, todo lançamento a débito deve de ter um lançamento a crédito pelo mesmo valor), a soma dos saldos das contas com saldo devedor deve de ser igual à soma dos saldos das contas com saldo credor. Este relatório é utilizado como insumo para a preparação de outros, principalmente aqueles fora dos relatórios padrão da contabilidade (relatórios extra contábeis).
BALANÇO PATRIMONIAL:
É uma demonstração contábil que apresenta a situação econômica e financeira da empresa em determinada data. Os principais capítulos do balanço patrimonial são:
ATIVO (o que a empresa possui -bens e direitos-)
PASSIVO (o que a empresa deve -obrigações-)
PATRIMÔNIO LIQUIDO (a diferencia entre o ATIVO e o PASSIVO)
O Balanço Patrimonial está baseado na seguinte fórmula:
ATIVO - PASSIVO = PATRIMÔNIO LIQUIDO
Ou seja, o Patrimônio Liquido é a diferença entre os valores que a empresa possui (comprado à vista, à crédito, etc.) e os que a empresa deve.
Para sua exposição dentro dos capítulos de ATIVO ou PASSIVO, as contas são classificadas segundo seu grado de liquidez, ou seja: segundo a sua facilidade para se transformar em dinheiro. Assim, se analisamos um balanço patrimonial simples, dentro do ATIVO primeiro encontraremos o capítulo de ATIVO CIRCULANTE, as disponibilidades em efetivo (dinheiro em Caixa ou em Bancos); logo aparecerá o capítulo de ATIVO EXIGÍVEL, as contas por receber (os Devedores); logo aparecerá o capítulo de ATIVO REALIZÁVEL, os estoques de mercadorias a serem vendidas; e, no final aparecerá o capítulo de ATIVO PERMANENTE, os bens de uso (móveis e imobilizados).
Dentro do PASSIVO, primeiro encontraremos o capítulo de PASSIVO CIRCULANTE (dívidas com vencimentos menores do que um ano) e, logo, o PASSIVO EXIGÍVEL A LONGO PRAZO (dívidas com vencimentos superiores do que um ano).
O último capítulo do balanço é o PATRIMÔNIO LÍQUIDO, onde se mostram as contas de CAPITAL (os valores aportados pelos sócios) e as contas de RESULTADOS (resultado do exercício e os resultados acumulados dos exercícios anteriores).
Este relatório é utilizado para apresentar a situação da empresa a uma determinada data. É a fotografia da empresa em esse momento. A classificação das contas nos capítulos de ATIVO, PASSIVO e PATRIMÔNIO LÍQUIDO, permite ao leitor ter uma idéia da situação econômica e financeira da empresa. As contas dentro do ATIVO mostram como o dinheiro foi utilizado e as contas de PASSIVO e PATRIMÔNIO LÍQUIDO mostram como o ativo foi financiado (as fontes de fundos), com crédito (fundos de terceiros) ou com fundos próprios (capital aportado pelos sócios ou fundos gerados pela atividade da empresa e retidos internamente).
Dado que o Balanço Patrimonial só mostra a situação da empresa numa certa data (normalmente ao fim de um ano de atividades), vai ser necessário analisar vários balanços consecutivos para poder ter uma idéia clara da evolução da empresa.
DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS DO EXERCÍCIO:
No Balanço Patrimonial, dentro do capítulo “Patrimônio Líquido” aparece a conta RESULTADO DO EXERCÍCIO com seu saldo na data da preparação do balanço. A Demonstração de Resultados do Exercício mostra as causas que geraram esse resultado positivo ou negativo dentro do período analisado (normalmente de 12 meses).
Este demonstrativo, na sua forma mais simples, se estrutura assim:
RECEITA OPERACIONAL BRUTA
Vendas de Produtos
Vendas de Mercadorias
Prestação de Serviços
(-) DEDUÇÕES DA RECEITA BRUTA
Devoluções de Vendas
Abatimentos
Impostos e Contribuições Incidentes sobre Vendas
= RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA
(-) CUSTOS DAS VENDAS
Custo dos Produtos Vendidos
Custo das Mercadorias
Custo dos Serviços Prestados
= RESULTADO OPERACIONAL BRUTO
(-) DESPESAS OPERACIONAIS
Despesas Com Vendas
Despesas Administrativas
(+/-) DESPESAS FINANCEIRAS LÍQUIDAS
Despesas Financeiras
(-) Receitas Financeiras
Variações Monetárias e Cambiais Passivas
(-) Variações Monetárias e Cambiais Ativas
(+/-) OUTRAS RECEITAS E DESPESAS OPERACIONAIS
= RESULTADO OPERACIONAL LÍQUIDO
(+/-) RESULTADOS NÃO OPERACIONAIS
(+) Receitas Não Operacionais
(-) Despesas Não Operacionais
= LUCRO LÍQUIDO ANTES DO IMPOSTO DE RENDA E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL E SOBRE O LUCRO
(-) Provisão para Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre o Lucro
= LUCRO LÍQUIDO ANTES DAS PARTICIPAÇÕES
(-) Participações de Administradores, Empregados, Debêntures e Partes Beneficiárias
(=) RESULTADO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO
O leitor observou que da RECEITA OPERACIONAL LIQUIDA são deduzidos custos e despesas. É a mesma coisa falar de custo que de despesa? Não, porém muitas vezes esses termos se confundam.
Custo: são os valores pagos para produzir os bens ou serviços fornecidos aos clientes (matérias primas, materiais, mão de obra, etc.)
Despesa: são os valores pagos para manter o funcionamento da empresa (aluguel do prédio do escritório, luz, água, materiais de escritório, salários do pessoal administrativo, honorários profissionais, etc.).
Por exemplo, se temos uma fábrica que produz bolo de limão onde o prédio para a fabricação do produto pertence à empresa e o prédio dos escritórios é arrendado, dentro dos custos (valores pagos para produzir o bolo de limão), vamos encontrar:
• os valores pagos para comprar os ingredientes do bolo (farinha, ovos, limão, etc.);
• os valores pagos pelos salários e benefícios dos funcionários que trabalham na fabricação do bolo;
• energia elétrica, água, gás, utilizados na fabricação do bolo;
• dentre outros.
dentro das despesas (valores pagos para manter funcionando a empresa), vamos a encontrar:
• os valores pagos pelo aluguel dos escritórios;
• os valores pagos pelos salários e benefícios do pessoal que trabalha na administração;
• os valores pagos para comprar os materiais de escritório;
• dentre outros.
A análise deste relatório mostra a composição do resultado das atividades da empresa no período. Uma melhor análise pode ser feita dispondo de vários demonstrativos consecutivos.
Esses dois relatórios contábeis são os básicos, mais não são os únicos. Existem mais dois: Mutações do Patrimônio Liquido e Fluxo de Caixa.
Como seu nome o indica, o demonstrativo das Mutações do Patrimônio Líquido mostra as mudanças acontecidas dentro desse capítulo do Balanço Patrimonial no período analisado (normalmente um ano). Partindo dos saldos no início do exercício (inicio do ano fiscal) se mostram as mudanças nas contas do patrimônio líquido para chegar aos saldos no final do exercício (fim do ano fiscal).
Por último, temos o demonstrativo de Fluxo de Caixa, que mostra as causas da variação no capítulo das DISPONIBILIDADES (dinheiro em caixa e banco) do Balanço Patrimonial.
Conclusão
O intuito deste artigo não é fazer um manual de análise de demonstrações financeiras (a informação fornecida neste artigo acerca dessas demonstrações é básica), mas tentar mostrar aos pequenos e médios empresários que a contabilidade oferece muito mais do que “(...) os holerites, DARFs e GPSs da vida (...)”.
Reconheço que, na maioria dos casos, os responsáveis pelas empresas não são experts em Contabilidade e Finanças, porém, existem profissionais que podem ajudá-los a entender esses números e tomar decisões baseadas nessas demonstrações contábeis.
Então, voltando ao início do artigo quando fazíamos referência à caixa preta.
Geralmente, quando ouvimos mencionar que “a caixa preta foi aberta”, imediatamente pensamos num grande acidente; porque as caixas pretas geralmente são abertas após um acidente. E as conseqüências desses acidentes são, na maioria das vezes, muitas perdidas (vidas e muito dinheiro).
Agora, pensando nessa associação Caixa Preta-Contabilidade.
Assim como as caixas pretas dos aviões, a contabilidade também registra “(...) os dados de performance como velocidade, aceleração, altitude e ajustes de potência, entre tantos outros (...)” (vendas à vista e a crédito, compras à vista e a crédito, impostos gerados, descontos concedidos, custos e despesas, entre outros).
A vantagem principal da “caixa preta da contabilidade” e os seus relatórios, por sobre todas as outras caixas pretas, é que ela pode ser aberta a qualquer momento e... não é necessário esperar até um acidente acontecer para ler o seu conteúdo.
Tendo em vista isso, você acha que é preciso aguardar até a sua empresa sofrer um acidente para abrir “a caixa preta da contabilidade”?
Silvio Bianchi
BSB Associados
sbianchi@bsbeassociados.net
Silvio Bianchi é Contador Público-Licenciado em Administração graduado pela Faculdade de Ciências Econômicas e de Administração da Universidade da República Oriental do Uruguai. Possui uma vasta experiência internacional nas áreas de formulação, avaliação e seguimento financeiro de projetos e na gestão de organizações sem fins lucrativos. Trabalhou por 20 anos como consultor de pequenas e médias empresas em Uruguai. É Sócio-Diretor de BSB & Associados, empresa de consultoria em finanças, projetos e gestão de empresas e de Organizações sem Fins Lucrativos.
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