Não é somente falta de ética, moral ou dignidade. Sejamos sinceros: nepotismo envolve diretamente a falta de vergonha na cara dos governantes. De norte a sul, de leste a oeste do Brasil, esse tipo de coisa ainda prolifera, infelizmente. Camuflado, nas brechas da lei, esse cancro está minando não só as estruturas que lhe são afetas, como o processo democrático. Quando prefere um parente, em detrimento de alguém mais qualificado, o administrador público certamente está defendendo os seus interesses. Não está mais justificando os votos que recebeu! A escolha deve ocorrer pelo melhor. Existem políticos tão céticos e egoístas em suas posições que, se pudessem, até os gatos, cães e papagaios de sua propriedade receberiam algum cargo.
A forma de escolha de comissionados, por exemplo, chega a ser ridícula em grande parte dos casos. Na verdade, os chamados “cargos de confiança” geram a desconfiança da população. Isso nem deveria existir: o ideal seria aproveitar os funcionários de carreira ou pessoas devidamente concursadas, formadas e preparadas para o trabalho, no setor específico. É espantoso reconhecer que tais cargos muitas vezes não vêm acompanhados de quaisquer funções. Aí é que mora o perigo... Fiquemos apenas na suposição de um exemplo: o Chefe dos Fiscais que não tem fiscais para fiscalizar. Assim, entram para o rol de servidores fantasmas; outra tradição do país.
O nepotismo tem mais de 500 anos. Segundo nos informa uma grande enciclopédia, a Carta de Caminha “é lembrada como o primeiro caso de tentativa de nepotismo documentado no Brasil. Ao final da carta, Caminha pede ao rei um emprego a um sobrinho, um rapaz competente e cumpridor dos deveres. A palavra "pistolão", muito empregada no Brasil, vem de “epístola”, devido à carta de apresentação, prática iniciada por Pero Vaz de Caminha.”
Uma coisa “bem particular”: na minha família, nas famílias do Antonio, do Mário, do “Zé” só tem gente preparada e competente. Rsrsrs... Na família do ex-presidente da Câmara Federal, Severino Cavalcanti, idem. Certa feita, ao requerer para um parente um cargo público, justificou: “Eu asseguro que é um bom sujeito. É da minha família” Eu fico emocionado só de lembrar! Hoje, Severino é prefeito numa cidade chamada João Alfredo, em Pernambuco. Lembrando que não perdeu os direitos políticos porque se afastou às vésperas da cassação, outra aberração da lei. Será que lá há casos de nepotismo? Vamos fazer de conta que não...
É lamentável que este tipo de prática esteja enraizado não somente na política. Já está na cultura ou ignorância do povo ou do eleitor. Tudo é normal! Até o cruzamento de interesses... O parente de sicrano contrata o irmão de fulano. Fulano dá emprego ao tio do beltrano. Uma mão lava a outra e, geralmente, - Deus me livre e guarde! - as duas limpam os cofres que é uma beleza! Rsrsrs... As brigas políticas que envolvem este tipo de coisa são abertas em cidades menores, onde quase todos dependem de emprego na administração. Os funcionários públicos em qualquer lugar devem ser idôneos e capazes para gerar efetivamente o crescimento. Já o prefeito que só emprega mãe, irmã, pai, avô, etc... está negando o progresso ao seu município. Se essa gente fosse realmente competente, estaria empregada em algum setor estatal ou privado, depois de submetidos aos concursos e aos testes extenuantes que os cargos requeiram. Não estariam mendigando colocações! É por esse e outros motivos, que cidades, às vezes próximas, aparentam grau de desenvolvimento tão diferenciados. Enquanto os desentendimentos neste campo se evidenciam nos mexericos, o município anda para trás. Ou estou errado?
É horripilante constatar que até no Judiciário isto aparece. Recentemente, numa das operações da Polícia Federal, o filho de um desembargador com uma juíza, foi nomeado assessor de um deputado em Brasília e, na função, intermediava a venda de habeas-corpus utilizando o nome dos pais para fins ilícitos. O desembargador e a juíza foram condenados a aposentadoria compulsória pelo tráfico de influência. Notem que a pena também não é muito dura. Continuar recebendo o salário em casa não me parece punição para as altas esferas do Justiça.
Cabe lembrar: desde 1996 o nepotismo é expressamente proibido. Recentemente, o STF aprovou uma súmula vinculante que barra esta prática: de cônjuge ao bisneto passando por nora e bisavô, nenhum administrador pode fazer contratação. Tem político tão bom, mas tão bom, que contrata até a sogra para trabalhar com ele. Pode?
Cargos de confiança ou comissionados, salvo outro juízo, são de dedicação completa, de exercício integral pela municipalidade. Como cidadão, entendo que estas funções pagam razoavelmente bem – até demais em alguns casos! – para que o contratado tenha outra atividade. Anote: segundo IBGE, o número de comissionados nos Estados e municípios, mais as altas esferas do Executivo, Legislativo e Judiciário gira em torno de 800 mil funcionários. Perdão: o Brasil é ou não é um país dividido entre malandros e tolos? E nós, a qual time pertencemos? Se somos de um terceiro grupo, dos honestos, devemos protestar, cobrar, exigir lisura dos que estão no poder. Isso é ter vergonha na cara...
Autor: Paulo Francis Jr.
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