Vale aqui iniciar o debate sobre a aplicação ou não da lei de sociedade por ações subsidiariamente àquilo que o Código Civil não disciplina para a sociedade limitada tecendo algumas considerações. Entende-se que a mais importante delas seja o estudo da função social da empresa, como ente fundamental para existência de um Estado democrático de direito como conhecemos. Sendo a empresa o ente responsável pela circulação e distribuição de riquezas, bem como pela geração de recursos para mantença do Estado, não pode a lei ser um limitador para o desenvolvimento das sociedades.
O desenvolvimento econômico globalizado é muito rápido e na maioria das vezes as alterações legislativas não são hábeis em acompanhar este desenvolvimento e, portanto, devem ser maleáveis a ponto de favorecer o empreendedorismo e a existência das empresas. Como é sabido no Brasil, a grande maioria das sociedades é regida pelo Código Civil na forma de limitadas que, não contempla, as possibilidades necessárias para o desenvolvimento da atividade empresarial.
Por outro lado, a legislação das sociedades por ações por privilegiar o capital e os investimentos é mais assertiva na medida que favorece o desenvolvimento da empresa e sua continuidade, sendo assim, porque não seria possível uma limitada emitir debêntures? Apenas por conta da discussão acadêmica? Também porque não se pode admitir uma sociedade limitada hibrida, que contenha características da sociedade por ações e da sociedade simples, privilegiando a empresa, sua continuidade e seu desenvolvimento e, não, a discussão técnica pura e simples.
Na prática isso já vem ocorrendo. Hoje, existem sociedades limitadas que possuem todas as características de sociedades por ações, com diretorias, presidência, conselho fiscal, gestão coorporativa e governança e, são, na questão societária, sociedade de pessoas, ou seja, sem a possibilidade de negociação de cotas privilegiando a figura do cotista como característica fundamental para ser sócio.
A própria legislação autoriza essa modalidade hibrida. O artigo 1053 do Código Civil determina que nas omissões no que tange as normas da sociedade limitada aplicam-se as regras da sociedade simples. Já em seu parágrafo primeiro o mesmo artigo autoriza por convenção em contrato social a aplicação supletiva das normas da sociedade por ações. Percebe-se que uma disposição não é excludente da outra nem muito menos impeditiva, podendo conviver perfeitamente juntas os dois diplomas na sociedade limitada.
Exemplo clássico é o caso de falecimento de sócio na sociedade limitada, onde é possível constar em contrato social que a sociedade não se dissolverá, havendo a apuração dos haveres do sócio falecido para pagamento, inclusive parcelado. Tal situação pode ser constatada na legislação somando-se os artigos 1028 do Código Civil com a legislação da sociedade por ações, da sociedade simples pode-se convencionar o impedimento dos sucessores de assumir a participação societária do falecido e da sociedade de capital pode-se convencionar a liquidação das cotas ou até mesmo venda, neste caso, temos dissolução parcial da limitada de vinculo estável.
Outro caso interessante é a exclusão dos sócios. Na limitada o sócio minoritário pode ser excluído pela maioria do capital social, quando este, estiver com suas atitudes, pondo em risco a continuidade da sociedade ou agindo contra os interesses desta, desde que previsto no contrato social a exclusão extrajudicial. Já o majoritário só poderá ser excluído pela via judicial. Vale lembrar que se, a limitada se assemelhar a uma sociedade anônima, a expulsão do sócio minoritário pela maioria do capital social pode ser difícil de ser evidenciada tendo em vista que o minoritário aqui será mais investidor, não tendo poder de comando.
Por último podemos analisar o caráter hibrido da sociedade limitada pensando na possibilidade de este tipo societário emitir títulos com fins de capitalização de recursos. Não há impedimento legal explicito, porém, não há legislação que disciplina a prática, portanto, é preciso recordar um dos princípios do direito privado, qual seja, o que não é proibido por lei é permitido. Deixando de lado as questões acadêmicas, porque não seria permitido a uma limitada a emissão de titulo para se capitalizar, como por exemplo, debêntures? É melhor deixar a empresa quebrar ao invés de atrair investidores apenas por causa das questões doutrinarias? Não pode e não é assim, tanto o é que na prática, tem-se a negociação das cotas, como forma de se capitalizar uma limitada, utilizando-se mais uma vez, do caráter hibrido dessa sociedade.
Hibrido porque a administração da limitada continua sendo pelo caráter pessoal (sociedade de pessoas), sendo a capitalização parecida com a legislação da sociedade por ações de capital fechado.
Concluí-se que, a prática procurou precaver-se contra os entraves doutrinários e acadêmicos dos debates sobre as características da sociedade limitada, privilegiando o desenvolvimento e a continuidade do tipo societário mais comum no Brasil visando acompanhar o desenvolvimento econômico mundial. Assim sendo, é preciso conscientizar os legisladores sobre a necessidade de uma legislação especifica empresarial, tão importante para o país, pois disciplina o seu pilar de sustentação, a empresa, que, não pode ficar presa a conceitos arcaicos e debates atrasados que só atrasam o seu desenvolvimento.
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