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Choque de Realidade no Cinema

22/02/2010 -

Ontem saí do cinema deprimida. Dormi preocupada. Acordei em pânico. Na verdade, não queria acordar. Estava triste demais, e com medo; apavorada porque em alguns meses serei responsável pela vida de uma garotinha que está pra nascer - de mim. E ela vai viver num mundo cheio de coisas maravilhosas, mas também do oposto disso. Até então, estava vislumbrando apenas um mundo maravilhoso para minha pequena. Alimentação balanceada e naturalista, como condicionar o sono na hora certa, qual o estilo de roupa para cada fase (para que ela seja estilosa e fofa), que palavras do meu vocabulário preciso tirar, como viver com no máximo duas horas de televisão por dia, e como adequar minha inspiração para escrever enquanto ela estiver dormindo.

Então, ontem à noite, fomos comer algo não-saldável e assistir um filme. As opções eram poucas. Escolhemos pelo nome e horário da seção. Algo light: “Um olhar do Paraíso”.

- Deve ser algum daqueles romances melosos – disse pra galera.

Foi uma inferência equivocada. Eu nem tinha assistido o  trailler. No cartaz só tinha o título e a imagem era linda. Mas algumas pessoas foram embora no meio do seção. Acho que não suportaram o choque de realidade.

Minha neura, agora, é: como livrar minha filha de pessoas más. Como ensinar uma criança a desconfiar de pessoas conhecidas? Como ensinar que não pode confiar em ninguém, mesmo que seja vizinho, ou até mesmo parente? Como explicar que existem pedófilos, estupradores e assassinos?

A história de Susie Salmon, interpretada por Saoirse Ronan, é de extrema importância. O tema incomoda. Choca. Aterroriza. Mas, infelizmente, é algo real, que acontece todos os dias bem debaixo do nosso nariz. É preciso falar sobre o assunto para que não continue um tabu da nossa cultura familiar. Quebrar o silêncio pode salvar a vida de muitas crianças. Elas precisam ser ensinadas a dizer não.

É algo extremamente difícil, porque nós, os pais, preferimos – e é compreensível – manter a inocência, a ingenuidade da criança intacta, longe de ser contaminada pela maldade do mundo. E eu me pergunto: diante dessa triste realidade, a pureza pode matar e o conhecimento do mal pode salvar? Eu não sei. Estou neurótica e aflita tentando descobrir. Mas depois de conhecer a história de Susie Salmon, não consigo conceber a ideia de que vou colocar alguém no mesmo mundo em que vive outro alguém que possa fazer qualquer tipo de mal à minha pequena. Não consigo pensar numa estratégia de proteção, nem numa pedagogia adequada para ensiná-la a se proteger.

O filme é um tanto surreal, com uma história real. O tal “olhar” do paraíso, é o da garota após a sua morte, antes de “fazer a passagem para o Céu”.  Espiritualidade à parte, o choque de realidade é grande. Até porque o espectador deseja profundamente que o assassino seja pego e sofra ao menos um pouquinho por todas as garotinhas que violentou e assassinou.  A crise na família, a sede de vingança, a saudade dos pais e dos irmãos, e finalmente seguir em frente.  Essa é uma experiência que não quero passar – jamais – e desejo que nenhuma família tenha que sobreviver a isso. Bom seria que o próprio assunto não existisse. Mas ele existe. E de alguma forma, precisamos descobrir como avisar nossos pequenos, porque pode ser que um “não” salve suas vidas.

Não acho que seria legal contar o filme, mas posso adiantar que vale à pena conferir mais de uma vez o drama “The Lovely Bones” – Um Olhar do Paraíso, dirigido por Peter Jackson, baseado no best-seller de Alice Selbold com atuação fantástica da protagonista. A fotografia é muito bonita, com efeitos especiais pra ninguém botar defeito. A trilha sonora também é perfeita, na medida exata para cada cena. O roteiro é inteligente, fácil de entender, envolvente sem sensacionalismo. Mesmo com um tema tão chocante, as cenas são bastante ponderadas – sem violência – o que permite que os mais jovens também assistam. Inclusive, pode ser interessante mostrar o filme a juvenis e adolescentes que não suportam a preocupação dos pais e acham que nunca nada de mal vai acontecer com eles – como eu também achei.

Autora: Débora Carvalho


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