A razão prevalece sobre a emoção, ou é a emoção que fala mais alto que a razão? Eis a questão! Não é a toa que o velho slogan pronunciado diversas vezes no nosso cotidiano (se conselho fosse bom!) entra como uma luva no decorrer das décadas.
Por que é tão difícil mudar o comportamento de uma pessoa? Por que, mesmo através de conselhos repetitivos, existem pessoas que preferem fazer as coisas do seu jeito, mesmo sendo o jeito improdutivo, ou errado? O que faz um bom conselho perder sua força?
Seguindo a visão da psicanálise, através das ideias de pensadores como Freud, Lacan e Jorge Forbes, acredito que existe uma espécie de curto circuito na relação entre mente e corpo. Isto se torna perceptível quando paramos um pouco para refletir que não somos máquinas, nem perfeitos, que mudamos nossas emoções todo o instante, que escorregamos, erramos e que, consequentemente, também temos sonhos, fantasias e desejos que vão além da nossa ilusão racional de completude. Ou seja, a nossa razão pode desejar a perfeição, desejar que a nossa trajetória seja estável, consistente e sem erros, mas sempre existirá o outro lado da nossa intimidade que nunca poderemos controlar. E isso, paradoxalmente, é muito bom, pois nos protege da possibilidade de acreditarmos que somos figuras padronizadas, sem desejo e singularidade.
Para clarificar mais a discussão, vou discorrer o texto dividindo as ideias e diferenciando a mente racional do corpo emocional. Podemos dizer que a mente racional se relaciona muito bem com as ideias de perfeição, de completude, daquilo que é certo e moralmente correto. Já, quando falamos do corpo emocional, levamos em consideração o lado da vida que, a maioria das vezes, não está em harmonia com as ideias impostas pela razão. O corpo emocional está mais relacionado ao inconsciente, a parte fora da série, daquilo que, segundo Chico Buarque, escapa ao sentido. Para ilustrar melhor, podemos citar o exemplo do motorista que percorre por uma rodovia com limite (mente racional) de velocidade de 100 km/h, mas prefere (corpo emocional) dirigir a 200 km/h, porque provavelmente lhe dá mais prazer “andar fora da linha”, mesmo tendo noção do excesso cometido. O corpo acaba falando mais alto! Outro exemplo clássico e interessante é o da pessoa que fuma dois maços de cigarro por dia (corpo emocional), tendo total consciência (mente racional) sobre os males que o fumo lhe causa. Ou podemos citar também o exemplo da pessoa consumista, que sempre quando passa ao lado de uma loja acaba gastando uma fortuna, mesmo consciente da falta de crédito e do excesso de dívidas.
Olha só que curioso! Ao refletirmos sobre exemplos triviais, já começamos perceber que no cotidiano do humano existem constantes conflitos internos entre a mente racional e o corpo emocional, irracional e inconsciente. É por este motivo, entre outros mais, que é tão difícil mudar um comportamento da noite para o dia. Muitas vezes, acessar somente a consciência através de conselhos não é o bastante para mudar uma atitude, ou mudar um método de como fazer as coisas. É preciso ir além da consciência, pois é necessário que o seu corpo emocional, e muitas vezes, seu inconsciente sejam tocados para ocorrer êxito. Quando não existe uma transformação neste sentido, percebemos uma mudança rasa, superficial e sem força.
Para descermos mais no assunto, gostaria de propor alguns pontos de reflexão para fortalecermos a nossa discussão: vamos falar um pouco da relação entre comportamento e prazer.
A relação entre comportamento e prazer
Seguindo as trilhas de Freud, em seu Best seller, Para Além do Princípio do Prazer, podemos notar que nesta grande obra o Pai da Psicanálise expõe de forma brilhante a existência de uma energia presente no comportamento do ser humano que vai além do equilíbrio, além das necessidades básicas, que nomeou de Pulsão. Sendo simplista na explicação, podemos descrever a Pulsão como uma energia que vai além do equilíbrio, que excede os limites da harmonia, que se repete e é dotada de prazer e, ao mesmo tempo, desprazer. Para clarificar o conceito, podemos usar o exemplo da mulher que permanece casada durante décadas com o mesmo marido, mesmo sendo violentada verbalmente e fisicamente. Todos podem escutar suas lamentações, que seu casamento é terrível, que ele não presta, porém, não tem coragem de acabar com a “estabilidade” do matrimônio. É preferível sofrer com o que se tem, para evitar a dor de nada ter. Ela vive, ao mesmo tempo, o desprazer dos insultos lançados pelo marido e o prazer de manter o casamento em “equilíbrio”, de estar com alguém, mantendo a ilusão do famoso slogan: “até que a morte os separe”. Outro exemplo interessante, que ilustra o paradoxo entre um comportamento dotado de prazer e desprazer, seria do próprio dependente químico que, mesmo consciente dos males que a droga lhe causa, permanece viciado. Basta escutarmos nos noticiários o quanto é difícil e paradoxal o relacionamento do dependente com a droga: “Isso aqui não presta, só faz mal, mas não consigo viver sem”.
Agora, trazendo para a realidade profissional, o mesmo acontece com as pessoas insatisfeitas e frustradas com seus empregos atuais, que ficam paralisadas na hora de tomar uma decisão para mudar o ambiente, ou de ambiente, porque se acomodam no status quo e, por este motivo, também sentem sua cota de prazer na “estabilidade” ilusória. Ou seja, podemos concluir que, mesmo prejudicadas, pessoas que permanecem com a mesma forma de pensar, de se comportar, com o mesmo padrão, relacionamento afetivo péssimo, ou com o mesmo emprego ruim, carregam suas pitadas paradoxais de prazer e desprazer. Enfim, o ser humano e suas ironias.
Agora, gostaria de correlacionar tudo isso que trabalhamos com outro ponto importante: a repetição do comportamento.
O comportamento repetitivo, para o bem ou para o mal
Outro ponto de reflexão que nos ajuda a pensar sobre o que faz as pessoas permanecerem com seus comportamentos engessados, acompanhados de prazer e desprazer, é a repetição constante. Pensando de forma lógica, aquilo que causa prazer e/ou desprazer, também causa repetição. Pontos de satisfação causam repetição. Crianças costumam fazer isso constantemente. Pedem toda hora para repetir de forma incansável uma atividade que lhes trouxe satisfação corporal. Já, quando crescem e se tornam “crianças-adultas”, continuam repetindo comportamentos inconscientemente prazerosos e/ou desprazerosos.
É o que acontecia com um ex-colega de trabalho, que tinha satisfação em ser espaçoso. Interrompia as pessoas, falava alto, gritava e dispersava todos repetidamente. Este era o seu “barato”, o seu “jeitão” de ser, pois tinha prazer em fazer isso, mas não tinha a menor consciência dos impactos que causava nas pessoas. No entanto, quando recebeu o famoso feedback sobre seu comportamento, os problemas começaram a surgir. Passou a vivenciar conflitos entre a mente racional e o corpo emocional. Sua mente racional dizia que deveria “arrumar” seu comportamento para não invadir o espaço das pessoas e o seu corpo emocional agia conforme o jeito espaçoso (e prazeroso) de ser. Olha só! Surge novamente o paradoxo entre prazer e desprazer. Sua mente racional gritava alto, dizendo que devia mudar e isso lhe causava muito desprazer. Porém, o seu corpo emocional continuava gozando do ato e isso lhe causava prazer. Após certo tempo, não teve jeito, nosso colega de trabalho foi procurar um lugar onde pudesse aumentar seu espaço, pois o contexto cultural onde trabalhávamos não permitia pessoas desse “estilo”. Uma hora ele acertará sua trajetória.
Mas o que fazer para inserir nossas diferenças comportamentais, algumas insuportáveis, na relação com os outros?
Comportamentos prejudiciais devem ser eliminados?
O que fazer para solucionar os conflitos entre mente e corpo? Será que é preciso cortar o mau pela raiz? Será que é necessário punir aqueles que se comportam de maneira improdutiva? Será que deveríamos encaminhar todos os errantes para uma clínica da “padronização” para que sejam orientados de forma ortopédica? Creio que não. Não devemos e não podemos corrigir o ser falante, engessando seu comportamento e adequando-o ao contexto, mas diria que a solução, como diria Jacques Alain Miller, seria legitimar suas diferenças. Não no sentido de aceitar o comportamento destrutivo do outro. Legitimar não é deixar o outro fazer o que bem entende, mas também, não significa eliminar o mau pela raiz.
Se nos espelharmos em qualquer exemplo de vida, podemos perceber que as pessoas não eliminam seus comportamentos ruins, mas simplesmente conseguem realinhar a energia para uma coisa boa, ou melhor, construtiva. Um amigo meu, que se tornou um excelente palestrante, não por acaso, quando era jovem, gostava de se exibir, contava piadas na escola e adorava provocar as pessoas. Por conta deste comportamento, passou por diversas situações complicadas até perceber que poderia transformar seu defeito em qualidade. Percebeu que poderia reinventar sua exibição e seu jeito provocador de forma construtiva e não destrutiva, como vinha fazendo. Percebeu que poderia usar suas ferramentas, anteriormente maléficas, para estimular as pessoas a se desenvolverem através da linguagem. Meu amigo não poderia eliminar um comportamento tão enraizado no seu inconsciente corporal, mas percebeu que poderia resolver o conflito do prazer e do desprazer, canalizando sua energia, seu “barato” para algo que enriquecesse o outro. Isso passou a ser a sua missão. Ele simplesmente lapidou o seu carvão na busca eterna pelo seu precioso diamante.
Que maravilha que é o ser falante! Quanto mais consegue ajustar seus comportamentos prejudiciais, canalizando sua energia para atitudes construtivas, sem arrancar o bom “barato”, consegue se aproximar daquilo que é mais singular em seu íntimo. Mas este é um assunto para outro artigo.
Faça bom proveito de si, ou como diria o filósofo Martin Heidegger – devore o teu Dasein!
Autor: Rodrigo Ramos
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