Colunistas: Raúl Candeloro
O incrível caso das azeitonas pretas
Anos atrás, fui convidado a fazer uma série de treinamentos para a equipe comercial de um grande atacadista de alimentos. O pessoal tinha acabado de receber um palm top e ainda tinha gente se familiarizando com a ferramenta (ou seja, um monte de gente não usava). A lista de produtos que um vendedor tinha para oferecer aos clientes passava dos 10.000 itens. Obviamente, como é freqüente nesses casos, a imensa maioria dos vendedores vendia: a) o que o cliente pedia; b) o que estivesse em promoção; c) o que estivesse em campanha de vendas (nessa ordem).
O incrível caso das azeitonas pretas aconteceu na primeira reunião que fizemos, quando, num dos exercícios que havia proposto, um dos vendedores se levantou e fez um discurso inflamado dizendo que “assim não dava, que a empresa era uma bagunça, que a logística e a entrega não funcionava, que ele se matava para cativar os clientes e que depois a empresa estragava tudo... enfim, que desse jeito ia ser difícil bater a meta”. Surpreso, perguntei se ele podia dar um exemplo mais específico, e ele na hora disparou a pérola: “falta azeitona preta, e todo mundo sabe disso! É um absurdo, não pode faltar azeitona preta! Isso acaba com a gente!”.
Um dos diretores se levantou, explicou que havia realmente um problema com o fornecedor das azeitonas, mas que o assunto já tinha sido resolvido e que a partir da semana que vem a entrega estaria normalizada. Eu fiquei olhando, olhando... e não me agüentei. Na época era mais afoito, menos sutil, e dei-lhe uma chapuletada (chapuletada é um termo técnico!) pública memorável, simplesmente usando o método socrático de fazer perguntas.
- Quantos itens você tem na sua lista de vendas?
- Mais de 10.000.
- Vamos arredondar para 10.000 então, para facilitar. Desses 10.000, quantos estão faltando?
- Só azeitona preta.
- Com o resto dos produtos tudo ok?
- Olha, de vez em quando atrasa um ou outro, mas é normal...
- Quanto a azeitona preta representa do seu faturamento mensal?
- Sei lá, nunca calculei.
- Então calcule agora comigo, porque se você está reclamando assim, deve ser importante.
Quanto, mais ou menos? 1%? 5%? 10%?
- Ah... menos de 1%, com certeza. Não deve dar nem meio porcento.
- Quanto da sua meta você conseguiu alcançar no mês passado?
- 82%.
- E a azeitona preta é a culpada???
Bom, você já deve imaginar o final da história. Lembrei do caso porque recentemente me aconteceu algo bem parecido, num workshop para representantes, quando um dos presentes reclamou que, com uma linha de 5000 produtos, perdeu umavenda de um dos produtos por causa de 2 centavos. Comecei a fazer perguntas de novo, sempre na mesma linha: quantos produtos você tem na pasta, quantos você perdeu por causa de dois centavos, quanto eles representam, quanto do seu mix o cliente compra, etc.
As respostas são sempre constrangedoramente infantis e amadoras. A verdade é que muitos vendedores têm o foco no problema, e não na solução do problema. Reclamar que o concorrente vende por um centavo mais barato adianta? Não. Reclamar que um dos produtos está em falta adianta? Não. Então qual a lógica de reclamar?
A impressão que me dá é que as pessoas que reclamam sentem-se importantes com isso e o que querem mesmo é chamar a atenção. O que não entendem é que estão chamando a atenção pelo motivo errado. Pare para pensar, o que você prefere: receber atenção por reclamar ou por ter resultados positivos? Por reclamar ou por resolver um problema? Por reclamar ou por bater a meta?
Da próxima vez que se pegar reclamando do que não tem, lembre-se do incrível caso da azeitona preta, quando um vendedor com 10.000 produtos para vender reclamava de não ter um deles (ao invés de focar nos 9.999 que tinha!).
Abraço e boas vendas
Contatos através do e-mail: raul@vendamais.com.br
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