Colunistas: Raúl Candeloro
“Estamos há 2 horas sem faniquitos”
Na frente do prédio onde eu moro tem um outro prédio em construção. Um cartaz bem grande mostra o cronograma da obra e a porcentagem de avanço. Um outro cartaz menor fala da segurança: “estamos há ‘x’ dias sem acidentes de trabalho”.
Essa placa me deu uma idéia que eu acho que poderia ser implantada em muitas empresas: “Estamos há ‘x’ dias sem faniquitos”. Isso mesmo – sem faniquitos. Porque a impressão que me dá é que tem muita gente que até tem conhecimentos e habilidades técnicas razoáveis, mas são um desastre do ponto de vista de inteligência emocional.
A definição de inteligência emocional é a habilidade de reconhecer seus próprios comportamentos, impulsos e mudanças de humor, reconhecer isso nos outros também e administrá-los de acordo com a situação.
Para este editorial, eu gostaria de ressaltar apenas alguns pontos simples, sem entrar em toda a parte teórica. O primeiro é o de receber feedback negativo sem ter um faniquito. A impressão que me dá é o que o brasileiro, por formação familiar, escolar e cultural, simplesmente não sabe conviver com a crítica, por mais bem intencionada que seja, a não ser que venha perfumada, esterilizada e cercada de outros elogios. Ou seja, uma bananice total. Tanto é que existem cursos e mais cursos de como dar feedback negativo basicamente pisando em ovos. Deus me livre hoje em dia falar abertamente uma coisa negativa, por mais que seja verdade. É crime hoje no Brasil.
Se não se fizer um rodeio imenso recheado de cuidados, não dá para dizer algo negativo que logo logo tem gente estressada, caras feias, choro, ameaças implícitas ou explícitas de demissão, queda de produtividade, fofoca generalizada e, por fim, o famoso faniquito, que nada mais é do que a perda de controle momentânea sob forte pressão emocional.
Interessante notar que isso geralmente acontece porque as pessoas não conseguem debater idéias. Qualquer coisa no Brasil cai logo para o lado pessoal. Se alguém critica uma idéia, a pessoa que deu a idéia reage como se ela, pessoa, estivesse sendo atacada ou insultada. A idéia em si raramente é debatida. Basta ver que se gasta muito mais tempo discutindo quem criticou a idéia, de que jeito criticou, quais intenções ocultas poderia ter com a crítica, etc. A idéia em si, coitada, fica até esquecida no meio desse furacão emocional.
Outra impressão que tenho é que todo mundo fica tentando achar “a resposta certa”, como se só existisse uma. Qualquer problema que tenhamos numa empresa provavelmente poderá ter várias soluções como alternativas viáveis. Pode ser que alguma delas seja ótima, mas pode ser também que tenhamos várias. (Isso decorre do fato, talvez, das pessoas terem no Brasil uma dificuldade imensa de lidar com a mudança, por mais que se diga o contrário. Basta ver a cara que fazem quando mudam sua mesa ou cadeira de lugar).Poucas coisas na vida são como as provas da escola do tipo “escolha a alternativa correta”. Como fomos todos criados fazendo essa escolha de uma correta entre cinco alternativas (a, b, c, d ou e), brigas tremendas acontecem internamente por causa disso e, pior ainda, ninguém testa nada. Fica todo mundo tentando achar alguma fórmula mágica qualquer que resolva maravilhosamente um problema, quando na verdade deveríamos estar testando opções e escolhendo as que melhor funcionam.
O que nos leva a outro ponto: para resolver bem um problema, você precisa defini-lo corretamente. Mas somos péssimos, do ponto de vista educacional e cultural, a definir qualquer coisa e mesmo a seguir regras. Basta você fazer um teste simples de análise e interpretação de texto. Recorte uma notícia qualquer de uma revista, peça para todo mundo ler e explicar o que entenderam. Você vai ver a salada que é. Se você disser para um grupo de 10 pessoas: “só pode apertar o botão vermelho se primeiro apertar o azul, se não explode tudo”, pode ter certeza de que 3 pessoas vão explodir tudo.
Ou seja, temos uma soma de situações negativas somando-se: incapacidade de lidar com críticas negativas, tentativa de achar uma única resposta magicamente certa e incapacidade de definir corretamente uma situação e entender o que está acontecendo. É um caldeirão pedindo para explodir.Isso acaba criando uma carga imensa sobre os líderes. Não existe uma única empresa que eu visite no Brasil que não tenha o líder atolado de questões operacionais ligados basicamente a pessoas e, pior ainda, a faniquitos em diversos tipos de escala.
Terremotos têm a escala Richter, eu proponho que se crie uma escala também para faniquito. E também que se tenha uma placa, orgulhosamente, na parede de cada departamento: “Estamos oficialmente há ‘x’ dias sem faniquito”. Em alguns lugares ia ser “estamos há ‘x’ minutos sem faniquito”...
Abraços provocadores,
Raul Candeloro
Contatos através do e-mail: raul@vendamais.com.br
Site: www.vendamais.com.br
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