A fortaleza do sistema econômico israelense depende da fragilidade das suas partes. Essa máxima, que poderia ter saído da obra de Charles Darwin, está na verdade no cerne dos estudos mais recentes e avançados sobre risco, inventividade e resiliência.
Você certamente já ouviu de algum comentarista econômico que os Estados Unidos, por exemplo, são uma nação que sempre pode entrar em uma forte recessão (como aconteceu em 2008), mas que possui uma resiliência e capacidade de reativação econômica muito superior à da Europa. Em casos como esse, as noções de fragilidade e antifragilidade (tal como explicitadas pelo teórico e estatístico americano de origem libanesa Nicolas Nassim Taleb) são essenciais para entender o que está por trás dessa dinâmica de maior ou menor resiliência e pujança econômica de uma nação.
Taleb, que esteve no Brasil no início de fevereiro como palestrante em um evento restrito do banco Credit Suisse, é um ex-trader de derivativos que, aos 27 anos, ganhou tanto dinheiro com a aplicação de suas teorias (até então desconhecidas) no mercado financeiro, que realizou o sonho de muita gente: hoje dedica-se apenas ao que lhe dá prazer. Tornou-se professor, pesquisador e ensaísta no campo da aleatoriedade e incerteza.
Um dos aspectos mais curiosos de suas teorias diz respeito ao empreendedorismo. O argumento central trata do seguinte: se por um lado um empreendedor individual sempre tem grandes chances de não ter sucesso com sua ideia (já que os pontos de “fragilidade” de um novo negócio são muitos: falta de capital, carteira limitada de clientes, falta de tradição naquele mercado, inexistência do mercado etc.), é justamente a tentativa arriscada ao extremo e um tanto irracional desses agentes que garante a renovação e destruição criativa do sistema econômico como um todo.
Imagine o seguinte cenário: para um empreendedor que tenha a ideia de montar um novo aplicativo para smartphones e invista toda sua reserva financeira (digamos, R$ 50.000,00) nesse plano de negócio, as chances de fechar as portas até o 2º ano são de pelo menos 60%, segundo o Sebrae. Durante a Missão Empreendedora a Israel, a maior parte dos Fundos de Venture Capital e especialistas citaram uma taxa de insucesso ainda mais alta, em que apenas um de cada 10 investimentos geram ganhos de capital significativo. Seja qual for a estatística mais correta, é importante perceber a fragilidade (ou a dimensão do risco, em termos mais clássicos) que o empreendedor individual enfrenta.
O outro lado da moeda, e esta é a novidade na teoria de Nassim Taleb, está em perceber que o mesmo fenômeno, visto pela lógica da economia como um todo, apresenta interpretação quase oposta: os R$ 50.000,00 investidos e perdidos por cada um dos 9 investidores que em última instância não irão ter nenhum ROI (retorno sobre o investimento) são uma penalidade praticamente imperceptível ao sistema econômico do país (que gira bilhões de reais por dia) e, principalmente, um custo extremamente baixo quando se leva em consideração a renda (antes inexistente) que será gerada pelo único empreendimento em 10 com desfecho positivo.
A empresa inovadora que teve sucesso, possivelmente, gerará centenas de empregos ao longo das próximas décadas, incrementará o PIB em dezenas de milhões de reais, será uma vantagem competitiva para o país internacionalmente e trará ganhos de capital extremamente significativos para os acionistas (estimulando outros a também tomarem risco no futuro). Do ponto de vista do “ecossistema”, portanto, os R$ 450.000,00 perdidos no total por 9 microempreendedores individuais serão compensados mais que centenas de vezes pelas renda (salários e lucros) gerada pelo empreendedor bem-sucedido.
Nos casos em que a nova empresa possua inovações disruptivas (isto é, em que na prática criou novos serviços, produtos e mercados que não existiam anteriormente à invenção), os benefícios são ainda maiores. Pois as novidades disruptivas têm o potencial de gerar o que os economistas chamam de “externalidades positivas”: criam mercados antes inexistentes, aumentam o nível de produtividade e geram um bem-estar para os usuários inexistente no estado anterior da técnica.
Quando analisamos o caso de Israel e os fatos presenciados durante uma missão ao país, essa dinâmica fica ainda mais evidente. Israel foi uma região que renasceu das cinzas e das polêmicas da Segunda Guerra Mundial; um país que, ao longo do século XX teve conflitos com praticamente todos os seus vizinhos; o povo judeu sofreu incontáveis perseguições em sua história. Como esse povo e esse país poderiam sobreviver se não fosse pela inventividade, inovação e aposta no futuro incerto?
A partir dos anos 1980, quando Israel passou a apoiar o empreendedorismo como política pública, o que já era uma vocação cultural passou a representar também uma parte imprescindível da economia israelense. O governo aproveitou a mão-de-obra qualificada (que aumentou muito a partir do êxodo de judeus russos egressos do fim da União Soviética), do “saudável desrespeito pela autoridade” (um traço de personalidade da maior parte dos israelenses) e da emergência do mundo eletrônico (em que os investimentos em uma nova empresa podem ser substancialmente menores, mas mantendo o ganho de escala) para se transformar em uma usina de inovações em série.
Taleb provavelmente enxergaria no desenvolvimento do empreendedorismo israelense, ao longo dos últimos 30 anos, um típico caso em que a fragilidade das centenas de empreendedores individuais é um fator extremamente relevante para explicar a vitalidade econômica e tecnológica nessa terra quase sem recursos hídricos, minerais e energéticos. Ao contrário de seus vizinhos, Israel foi capaz de realizar, desde a sua fundação, o “milagre” do desenvolvimento econômico. Deixou de ser um país pobre, praticamente sem infraestrutura, para tornar-se uma nação com nível de desenvolvimento avançado, que não deixa a desejar em renda per capita para a maior parte dos países da Europa (que tiveram centenas de anos a mais para realizar este trajeto).
Como sempre é o caso em economia, não devemos nos esquecer da importância de fatores históricos, tal como a reiterada ajuda econômica dos Estados Unidos a Israel desde a sua fundação, mas também é certo que com relação aos desenvolvimentos recentes e ao potencial de crescimento de Israel, a fragilidade das partes (empreendedores e risk-takers em geral) continuará constituindo uma enorme fortaleza para o todo.
Tanto na prática quanto na teoria, no caso de Israel ficou clara a importância central do empreendedorismo para a vitalidade e resiliência das nações modernas e com ambição de incrementar o nível de sua economia e bem-estar. No Brasil, é evidente que ainda nos resta fazer a lição de casa e diminuir os riscos e burocracias que travam desnecessariamente a inventividade e a inovação das nossas organizações (inclusive na área pública). Somente atitudes certeiras nessa direção poderão garantir que a população como um todo possa colher os benefícios do risk-taking dos inovadores.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios
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