O que você faria se soubesse que seu filho é portador de um distúrbio que afeta sua capacidade de interagir socialmente? E se percebesse que esse transtorno representa um forte obstáculo ao seu crescimento profissional?
O alemão Dirk Müller-Remus, 55 anos, resolveu empreender. Foi a única maneira que encontrou de ajudar o filho, Ricardo Remus, diagnosticado com a síndrome de Asperger, uma versão mais branda do autismo. A doença, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, interfere diretamente nas habilidades de relacionamento e comunicação dos pacientes.
A síndrome de Asperger ganhou notoriedade em 1988, quando Dustin Hoffman ganhou o Oscar de melhor ator pela sua performance em Rain Man. No filme, ele interpretava Raymond Babbitt, um autista capaz de fazer cálculos com grande velocidade. Para quem assistia ao longa-metragem, ficava claro que os portadores da síndrome podiam ser brilhantes, rápidos e intensamente focados em suas tarefas.
“Não foi o suficiente para acabar com o preconceito”, diz Remus. “As últimas estimativas dão conta de que apenas 5% dos autistas na Alemanha estão empregados.”
Para ajudar a mudar essa realidade, o empreendedor elaborou um plano de negócios que transformava a condição em uma vantagem competitiva. “Os portadores de Asperger são metódicos e analíticos. Pensei que seriam eficientes na hora de avaliar novos programas”, diz Remus. Sua proposta era abrir uma empresa de teste de softwares que contratasse apenas autistas. Do diagnóstico do filho até o primeiro faturamento, foram seis anos de pesquisas. O resultado: um negócio que emprega 18 autistas e deve faturar R$ 4,5 milhões em 2014.
O diagnóstico
Foi em 2007 que Remus recebeu a notícia que mudaria sua vida: seu filho Ricardo, 14 anos, era portador da síndrome de Asperger, uma das manifestações mais moderadas de autismo. Preocupado com o futuro do garoto, foi atrás de livros e sites com informações sobre a doença. “Quem tem Asperger costuma dedicar 90% do tempo a uma só atividade. Meu filho era baterista e esse era seu único interesse. Todo o resto parecia secundário”, diz.
Em sua busca por respostas, Remus conheceu outros portadores e percebeu que nenhum deles tinha uma ocupação profissional. “Fiquei imaginando todas as frustrações que a condição poderia trazer — entre elas o desemprego”, diz. “Deveria haver algum tipo de trabalho compatível com as características dessas pessoas.”
A ideia
Em 2008, depois de duas décadas trabalhando no setor de TI, Remus começou a elaborar o plano de negócios. Foram três anos de planejamento e pesquisa, até que estivesse pronto para tirar a ideia do papel. Nessa fase, ele e a esposa, Kerstin, conversaram com pais de autistas, associações de psicólogos e outros profissionais ligados à saúde. A Auticon começava a tomar forma.
“Eu sabia que os portadores da doença poderiam efetuar testes de software com facilidade. Planejei cada detalhe para que a empresa se adaptasse aos doentes, e não o contrário”, afirma. Seu projeto incluía dados detalhados sobre a sede do empreendimento. “Pensei em um escritório com decoração neutra, para não perturbar a concentração dos funcionários”, diz.
O aporte
O fundo alemão Social Venture Fund apostou na ideia de Remus, fazendo um aporte de 500 mil euros (cerca de R$ 1,5 milhão) em 2011. “Desde o início, sabia que não queria fazer caridade. Meu objetivo era criar um negócio que desse lucro.”
As operações começaram em novembro do mesmo ano. Na época, eram três contratados: um diretor de TI, um gerente de mercado e um responsável pela cultura da empresa. Nenhum deles autista. Foram precisos mais seis meses para que a empresa estivesse estruturada o bastante para contratar portadores da doença.
O recrutamento
Selecionar os candidatos foi o maior desafio do empreendedor. “Precisávamos ter certeza de que era alguém apaixonado por TI, ou então não daria certo”, diz. Foram elaboradas entrevistas e dinâmicas de grupo específicas para esse fim. “O processo durava três semanas e exigia bastante do candidato”, afirma.
Em junho de 2012, a Auticon contratou seis consultores para testes de software, todos autistas. Infelizmente, nem todas as escolhas deram certo: aqueles que tinham dificuldade para se concentrar no escritório atingiam uma produtividade baixa. Hoje, dos 25 funcionários da empresa, 18 têm a síndrome.
O público-alvo
Demorou para a startup conseguir seu primeiro cliente. “Todo mundo achava a ideia ótima no papel, mas ninguém queria bancar”, diz Remus. Foi só em janeiro deste ano que a alemã IAW, especializada em engenharia automotiva, contratou os seus serviços. Hoje, a empresa atende a dez projetos diferentes, de companhias como Vodafone, Deutsche Telekom e Deutsche Bahn (DB), entre outras. A Auticon atua em duas frentes: presta serviços a distância, ou disponibiliza um empregado para trabalhar em projetos internos.
Os funcionários
Para 2014, a meta é chegar a 36 consultores com a doença. Remus considera exemplar o desempenho dos contratados. “Eles têm um raciocínio lógico brilhante”, diz. “São capazes de pensar em camadas, combinando informações de uma maneira que o cérebro comum não consegue.” Cada um deles ganha um salário de 2.500 euros mensais (cerca de R$ 7.500). “Eu nunca tive um emprego como esse”, afirma Melanie Alterco. “Vivia de seguro-desemprego. Fazia várias entrevistas, mas não conseguia nada”, diz. Ela chegou à Auticon indicada pelo próprio médico. “Aqui os autistas não precisam modificar quem são. Nós respeitamos as diferenças, e isso é fundamental para a sua autoestima”, afirma Remus.
O avanço
A empresa vai faturar pela primeira vez em 2013: Remus espera uma receita de 500 mil euros (cerca de R$ 1,5 milhão). A meta para 2014 é alcançar 1,5 milhão de euros (aproximadamente R$ 4,5 milhões). Por enquanto, a Auticon tem clientes em Berlim, Düsseldorf e Munique. O empreendedor quer ampliar seu alcance, realizando projetos para companhias de Frankfurt, Hamburgo e Stuttgart. Mas o que deixa Remus feliz é constatar o avanço dos funcionários. “É possível enxergar uma melhora significativa no seu desenvolvimento. Hoje eles têm mais qualidade de vida.” Uma das suas metas, no entanto, ainda não foi alcançada: trabalhar com o filho, hoje com 23 anos. “Ele ainda prefere a bateria”, diz, sorrindo.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios
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